A Wicca e os Celtas

A maioria dos pagãos associa de forma automática a Wicca aos celtas, e raramente raciocinam além disso. Mas a realidade (pelo menos até agora o que se pode provar...) é que muitos dos Mistérios foram apenas desenvolvidos pelos celtas. Desenvolvidos sim, mas não criados. Muito do que associamos aos celtas tem sua origem não em suas crenças, mas sim em ensinamentos de outros povos, principalmente mediterrâneos, posteriormente absorvidos por eles.
Sabemos que o povo celta foi inicialmente formado por tribos nômades e pastoris. Partindo do sul do leste europeu (desde a atual Ucrânia à Romênia e Bulgária) foram se instalando em regiões férteis da atual França, Espanha e Portugal e finalmente às Ilhas Britânicas, para o trabalho pastoril, a caça e coleta.
Encontraram então, no norte da Itália, os etruscos, povo bastante desenvolvido na época, com tecnologias para agricultura, desde sofisticadas operações de extração de metais até sistemas de irrigação. Os celtas porém continuaram em sua imigração rumo ao norte. Mas aí já houve este primeiro contato e os celtas abraçaram os mistérios etruscos e os incorporaram a seu próprio sistema de crenças, ainda muito fortemente enraizadas na cultura neolítica do culto da Deusa Mãe. Tornaram-se povos comerciantes, sempre seguindo para o sul em busca das riquezas etruscas. Foi por intermédio desse primeiro contato que os celtas tomaram conhecimento da religião e da cultura mediterrânea.
Mas a grande mudança na estrutura da religião celta se deu com a invasão do Império Romano. Como os romanos eram liberais quanto à religião dos povos vencidos, os celtas continuaram com suas crenças, porém em 400 anos de invasão romana toda a cultura celta foi "romanizada". A partir daí é que os Mistérios, como conhecemos, podem ser caracterizados como celtas.
Anteriormente os celtas criam puramente no Animismo, na Deusa (não como suprema, mas semelhante à grega Gaia...) e em divindades ancestrais. Isto sim pode ser caracterizado com algo puramente celta. A visão matrifocal da Divindade ao invés de um panteão comandado por deuses masculinos, como nos gregos e romanos.
Mas a visão celta da Deusa não é a mesma que a maioria das correntes pagãs têm atualmente. Para os celtas, a Deusa tinha vários aspectos sim, mas praticamente todas as suas manifestações eram versáteis. Rhiannon é a virgem, mas também é Mãe e a Senhora da Morte. Brigith é o fogo sagrado, mas também a ceifadora da vida. Cerridwen é a Sábia Anciã, mas também é a Mãe que persegue Taliesin.
Esta foi a grande contribuição celta ao paganismo. Ao incrementar sua visão Dealógica, aos mistérios mediterrâneos. Dessa alquimia é que a Wicca pode se considerar originada.
Transformações de todos os tipos são parte integral do paganismo celta, seja com nomes, heróis, eventos ou locais. Mas há elementos no atual paganismo que são exclusivamente celtas:
A mitologia matrifocal, mesmo em tempos em que o politeísmo helênico tinha migrado ao patriarcado.
A utilização do Caldeirão dentro dos Mistérios da Transformação, Renascimento e Inspiração. O Caldeirão como símbolo do Útero da Deusa.
As quatro principais festividades. Samhain, Beltane, Lughnasa e Imbolc. Dentro das Religiões Mediterrâneas, a divisão era puramente centralizada nos soltícios e equinócios. Apesar dos celtas terem total domínio de astronomia, sempre voltaram à Terra ( por exemplo, Ostara só era comemorada quando a primeira flor surgisse).
A visão reencarnacionista sem punição, sem busca pela perfeição, sem necesidade de evolução.
A crença dos senhores dos elementos como guardiães e conselheiros (entre os helênicos e etruscos, existiam apenas a visão de quatros seres dos ventos, mas não com a mesma importância de nossa cosmologia). Isso é facilmente visto se analisarmos que do centro da Europa (Gália – atual França), ao norte ficam as montanhas, ao sul o calor do equador africano, ao ocidente o oceano atlântico e ao leste as correntes de ar da Rússia).
Nosso conhecimento sobre as crenças dos celtas e seus ritos religiosos têm, como fontes confiáveis, menos as histórias latinas e gregas (Posidônio, César, Plínio, Lucano, Tacíto, Estrabão) que as obras de arte célticas originais.
Como todas as religiões indo-européias, a religião celta era, portanto, politeísta. Mas seu panteão não parecia em nada com o clássico. Os deuses celtas não formavam uma sociedade bem ordenada, bem policiada, com uma hierarquia e uma divisão do trabalho. Eles tinham características diferentes, mas não atribuições diferentes: cada um deles era mais ou menos polivalentes. Mesmo se tinham temperamentos bastantes fortes, e viviam aventuras extravagantes, nem por isso se fechavam e se restringiam a uma função definitiva.
As concepções dos antigos celtas eram muito mais próximas das atuais concepções orientais que das do paganismo helênico.
Os deuses celtas apresentavam outras diferenças fundamentais com relação aos de Roma e da Grécia. Em primeiro lugar, não tinham qualquer aspecto físico. Era impensável apresentá-los sob uma aparência humana. Todos sabiam que tratavam de puros espíritos.
Lembrei do riso do chefe gaulês Breno, por ocasião da tomada do templo de Delfos, quando ele se deu conta de que os deuses do Olimpo estavam ali representados por estátuas antropomórficas. O prestígio que a cultura grega tinha até então para ele não sobreviveu a tal constatação. Foi somente sob a ocupação romana que, para agradar ao ocupante, os gauleses (celtas franceses) que haviam se tornado "galo-romano", começaram a esculpir estátuas nos quais davam a suas divindades aspecto humano.
Os deuses celtas não viviam em comunidade, num habitat coletivo do tipo do Olimpo: eles dividiam entre si as grutas, os túmulos, as fontes, os dómens, o interior das montanhas. O conjunto dessas moradas constitui o outro mundo, universo paralelo maravilhoso de felicidade e paz, que os irlandeses chamavam de Sid (expressão que significa paz). Aliás, os habitantes não eram unicamente deuses e deusas. Todos os seres sobrenaturais faziam parte dele: fadas e elfos, gênios, duendes e os mortos. Eis um ponto que distancia os celtas das crenças greco-latinas. Para os antigos celtas, os falecidos iriam encontrar, num mundo melhor, as pessoas divinas, equivalentes aos ancestrais.
Quanto às ligações de parentesco, não deve-se considerá-las de um ponto de vista realista ou racional. Tal deus que, em determinado relato, era filho de tal outro, podia ser seu pai ou seu irmão, em outro. No Sid, era perfeitamente possível ser mais velho que seu avô. Aliás, não era sequer proibido que se gerasse a própria mãe.
Da Religião de povos que os precederam nas terras do Ocidente, os celtas haviam conservado o culto à Deusa Mãe, a qual deram o nome de Dana. Ela é também a tripla Brigith, a deusa una em três pessoas. A Grande Deusa era a mãe de todos os deuses, mas também a distribuidora de toda a vida. Seu emblema era a Lua, ou melhor, a Lua era uma das Teofanias que a manifestavam.